segunda-feira, 31 de janeiro de 2005

ALCÂNDOR *

“Brancas, as águas agitam as angras
Não há portos, só navios... meu coração
E o meu coração emerge nas vagas
- e sangra
de desprazimento, enquanto digo-te como um ato de contrição

Há brumas em meu mar que-seria
e nas areias em que não piso... e o sol... jamais
E a tua imagem, em mim, é uma galeria
de paredes vazias, de sombras e visões irreais

Há um quê de lúbrico nesta melúria
inconstante, em sua veleidade descontente
Tua face, vulto fulgidio que incita a minha fúria
Perdida, num querer-te afanoso e ausente

Minha vida, ocaso tenebroso... melodia
muda, sem notas nem arranjo
No paraíso esquecido de meus dias
nunca houve, sequer, nem um anjo

E o meu coração é um camafeu
com as chagas talhadas no lado mais precioso
Anátema comiserado de um deus
caprichoso, lasso e fastioso

Quiçá seja esta dor a única maneira
de decantar e abrandar meu apanágio
Ao pé da torre há ainda uma sementeira e
vez ou outra, hão de tocar os sinos no campanário”


* 1.º lugar da Grande São Paulo - Mapa Cultural Paulista 2001/2002

quinta-feira, 27 de janeiro de 2005

Sei que pode parecer um pouco de vaidade, mas não poderia me abster de pôr meu presente no ar.
Depois de passar toda a vida desejando um irmão, não sou mais filha única.


"And: eu te amo, guria!!!
De amor de irmão de traquinagens
amor de brincar de pintar de tarde
em sulfites com giz de cera.

Te amo de cores rosas, amarelas
e outras belas
Te amo de azul misturado com vermelho e laranja
de gargalhar deitado no chão,
e pés no sofá, pro ar
depois da casa bagunçada,
(ê criançada levada!)
rindo dos vagalumes que brotam da lâmpada
e se escondem nos livros da estante!!

Te amo de olhar o teto
por horas em silêncio.
E depois arrumar tudo rapidinho
Porque logo a mãe vai chegar.

Ei!
Ali pode limpar:
Foi você quem rabiscou a parede!!!"

De Júlio Castro

quarta-feira, 26 de janeiro de 2005

"Quem sabe a que escuridão de amor
pode chegar o carinho."
(Clarice Lispector)

Em que sonho eu te encontrei?
Em que sonho?
Em que ar?
Em que noite?

Em que curva roubaste o meu pensar?
Em que curva?
Em que pausa?
Em que penar?

Com que olhos hei de te tocar?
Com que olhos?
Com que palavras?
A que custar?

terça-feira, 18 de janeiro de 2005

Este poema é de meu grande e amado amigo Júlio Castro.
Devo dizer que, além de uma pessoa espetacular, o moço escreve muito, muito bem, como se pode ver:


TARDE MORNA DE AZUL

Ande hoje na ponta dos pés,
feche seus olhos,
segure em meu ombro
e me deixe lhe dar um sonho.

Ande hoje na ponta dos pés
e me dê sorrisos em câmera lenta.
Traga seu sopro refrescante,
seu cheiro morno de maresia,
seu beijo quente de nostalgia
e me faça esquecer de morrer.

Depois
posso flutuar com você?

Júlio Castro
O AMOR E O MAR

Tal qual o mar é o Amor
que tira o chão aos pés
revés
imensidão de vida que
abarca
salga o rosto
abraça
exalta o corpo
ressaca

segunda-feira, 17 de janeiro de 2005

Me toca
Me roça
Me rosa
Me beija-flor

Sou crua
Sou tua
Sou nua
Sou de cor

Em mim
De mim
Prá mim
Você

sexta-feira, 14 de janeiro de 2005

ANTES DO FIM

Que deste Amor cuidado
com tamanha aleluia
restarão apenas cacos
de um cristal que não se quebra

quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

quarta-feira, 12 de janeiro de 2005

Digo
mas digo-o com cuidado
para não ferir a solidão do ar
nem perturbar a alva placidez
dos lençóis brancos pendurados no varal

Ouça-me,
e se possível,
com a ponta dos dedos
pois que este
é o meu cortejo
enlevado em silêncios breves

Me dôo aqui
Como quem comunga em rito

Me dou
Que escrever é a minha vertigem



sábado, 8 de janeiro de 2005

POEMA PARA A QUARTA CORDA

Quisera eu
escrever um poema novo
poema de bailar de asas
de nuvem se esvaecendo
sobre o céu azul

Quisera eu
que meu poema fosse
sonho envolto em gaze
espuma que se espaça
fumaça

Queria antes um poema
com todas as nuances azuis de Bach
- as nuances celestiais da singeleza
a singeleza que dignifica
enobrece e traz sublime calma
à fatigada alma dos homens



terça-feira, 4 de janeiro de 2005

O MENSAGEIRO DOS VENTOS

Este tempo que se instala em mim
traz consigo o azul e suas tempestades
é vertigem
e a leveza dos pincéis
que se insinuam em mim com suas cores
quadros e esquadros espasmos
em telas etéreas
su(pra)reais
e a força
que circunda este tempo
é olor balsâmico
força de vento e chuva
broto de flor germinado
mas ‘inda renhido em terra
é a dádiva
e o terror
e de não sabê-lo
teço, coso e amanheço
em palavras, telas, sementes
ósculos nos olhos do pescador

Mas o quanto não o sabes
e jamais o saberás.



OFERENDA

Vou pegar todas as minhas coisinhas:
meus lápis de cor de 36 cores,
minhas lantejoulas de estrelinhas – as mais coloridas – de brincar carnaval,
meus recortes de bolinhas e sinos de Natal.
Vou pegar também minha vaca de pelúcia,
minhas palavras de estimação (sem exceção),
minhas bolhas de sabão...
Vou juntar tudo e fazer um pacote com o papel mais colorido e transparente e brilhante e depois que estiver tudo embrulhadinho,
todas essas coisas de que gosto,
posso dá-las todas a você?



domingo, 2 de janeiro de 2005

EXPOSIÇÃO

A poesia foi colocada
no meio do passeio público.
Quem deixou?
A poesia e suas palavras.
A poesia e as cores do filho da poesia.
E ainda por cima
sentaram uma poetisa
no meio da calçada.
No meio da vida.
No meio do trabalho.
Pior,
no meio do descanso.
Quem descansa
com palavras incômodas bem no meio do passeio público?
No meio do sábado?
A poesia e o seu mal-estar.
A poesia com aquelas lentes azuis...
Só mesmo a poesia
- essa desocupada-
para achar que as pessoas
têm tempo para poesia.
A poesia e sua barganha com o tempo.
A poesia se pintando para a vida...
Justo a poesia, que nem sindicato tem,
acha que pode ir por aí se dizendo
só por ser poesia.
E o menino pergunta:
- Pai, isso é arte?
E o pai nem responde.
E o pai nem volta os olhos.
No máximo, resmungará lá na frente
algum monossílabo (mais que suficiente).
A poesia e seu desperdício de palavras.
A poesia e seus exageros.
Tanto trabalho para se evitar a poesia caminho afora,
tanto custo para esquecer a poesia,
e agora a poesia surge
feito susto;
e agora
há de se desviar da poesia.
Agora, se não cuidar
é capaz de se tropeçar numa poetisa.
Quem a colocou lá?
Bem no meio do sábado?
Bem no meio do passeio público?
E pra ajudar
e pra completar o quadro infame
ainda chega o poeta.
Quem deixou, meu deus, essa gente solta na rua?
A poesia, o poeta e a poetisa.
Não tendo amolado o bastante,
eles ainda querem se olhar nos olhos.
Não fosse o incômodo suficiente
eles ainda querem falar da vida.
Já não bastasse o tudo mais
eles ainda ousam se amar:
se amar bem no meio do sábado,
se amar bem no meio do passeio público.
A poesia e essa mania de Amor.
A poesia e sua queda pelo patético.
Então o louco chega em meio à cena.
O louco e sua graduação alcoólica.
O louco e sua poesia doidivanas.
Pergunta se a poetisa
está esquentando a sombra.
E a poesia se sente entendida.
A poesia, enfim, se realiza.
A poesia
- já não era sem tempo-
para descanso do mundo
já pode se recolher.