Tenho um livro sobre águas e meninos. Gostei mais de um menino que carregava água na peneira. A mãe disse que carregar água na peneira era o mesmo que roubar um vento e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos. A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água O mesmo que criar peixes no bolso. O menino era ligado em despropósitos. Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos. A mãe reparou que o menino gostava mais do vazio do que do cheio. Falava que os vazios são maiores e até infinitos. Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito porque gostava de carregar água na peneira Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo que carregar água na peneira. No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo. O menino aprendeu a usar as palavras. Viu que podia fazer peraltagens com as palavras. E começou a fazer peraltagens. Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto final na frase. Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela. O menino fazia prodígios. Até fez uma pedra dar flor! A mãe reparava o menino com ternura. A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta. Você vai carregar água na peneira a vida toda. Você vai encher os vazios com as suas peraltagens e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos Manoel de Barros |
quarta-feira, 5 de outubro de 2005
O Menino que Carregava Água na Peneira
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
Este foi o primeiro poema de Manoel de Barros que li na vida. Amei relê-lo.
Beijo-beijo.
Poema muito sabio e todas as professoras deveriam proporcionar a seus alunos esta leitura, pra que cada criança reflita e encontre suas formas de brincar com as palavras .
Fazia tempo que eu não ficava com a voz embargada no meio de uma leitura de Manoel... agora eu fiquei! Lindo!!!!!!!!!
[ Selma, eu acho que as professoras é que precisam aprender que cada aluno já tem de a sua forma de brincar, seja com as palavras ou qualquer que seja sua via de expressão de arte... como a mãe do menino fez! Do contrário, a expressão fica direcionada, o que tb não funciona!]
abraços, ReNata Batista
Eu gosto muito de Manoel de Barros e reler este poema me fez voar... Relembrei também o Auto Retrato de Mario Quintana... todos temos que ter disso um pouco... Obrigada.
Postar um comentário